15/09/2008 11:44

Desaparecer na era da web ainda é possível, diz especialista

15/09/2008 - 09h45

da Folha Online

Ainda é possível escapar dos dispositivos tecnológicos que nos cercam por todos os lados? Quem tenta responder a essa pergunta é Thierry Rousselin, consultor de observação espacial e ex-diretor do programa de armamentos da Direção Geral de Armamentos da França, que, com François de Blomac (especialista em novas tecnologias de informação), lança "Sous Surveillance" [Sob Vigilância, ed. Les Carnets de l'Info, 252 págs., 16, R$ 41].

Em entrevista ao jornal francês "Le Monde", reproduzida pelo caderno "Mais!" --conteúdo completo exclusivo para assinantes da Folha ou UOL-- Rousselin tenta diferenciar os temores irracionais e os riscos reais da era da informação digital.

Pergunta - Quais são hoje os grandes domínios da vigilância tecnológica?
Thierry Rousselin - Podemos traçar círculos concêntricos. O primeiro são os "pedaços" de nós mesmos --tudo o que diz respeito à biometria. Vamos progressivamente entregando um certo número de elementos que nos pertencem, que nos identificam. Essa história começou com nossas impressões digitais. Hoje, chegou ao DNA, à íris, à palma da mão; dentro em breve, será nosso modo de andar ou nossos tiques. O segundo círculo é aquele formado por todos os captadores que nos cercam -aqueles que nos observam, como videovigilância, webcams, aeronaves de espionagem não tripuladas, aviões, helicópteros, satélites. Há também a escuta, em todos os sentidos do termo. Não se deve esquecer nunca que o primeiro método de escuta é uma pessoa ao nosso lado. Também podem ser usados nossos próprios objetos, especialmente o telefone. Comprei um GPS ou um telefone celular. Será que é possível me seguir graças a esses aparelhos? Será que os vários cartões --de crédito, de fidelidade, de assinante-- que carrego na carteira revelam coisas a meu respeito, em tempo real, a cada vez que os utilizo? Os formulários que preenchi nos últimos 30 anos traçam uma imagem de mim que é mais precisa que minhas próprias recordações? O último ponto diz respeito ao computador, e já há alguns anos se vêem policiais levando o computador de suspeitos. Depois, há a internet. Será que minha sede de fazer amigos, de me fazer conhecer, não me leva a revelar coisas demais, que algum dia poderão ser usadas contra mim? Logo, os domínios de vigilância hoje abrangem quase todas as nossas interações com o mundo externo e praticamente todos os nossos sentidos. Os receios são mais fortes na medida em que percebermos que teríamos muita dificuldade em viver sem muitas dessas tecnologias. Essa situação é bastante representativa de nossa ambivalência diante dessas questões.

Pergunta - Ainda é possível "desaparecer" em nossas sociedades? Isto é, ainda é possível escapar do controle da tecnologia?
Rousselin - Desaparecer ainda é possível, mas é preciso saber o que isso representa em termos de esforço, sobretudo se você ainda vive na legalidade, sem falsa identidade ou cirurgia plástica. A opção "ilha deserta" aparentemente é a mais simples de concretizar. Você vai viver em algum lugar na zona rural onde possa praticar um modo de vida que minimize as trocas comerciais -sem computador nem telefone celular. Você fecha sua conta bancária e paga tudo em dinheiro vivo. Será preciso não sair do país, especialmente não ir aos EUA, para evitar a necessidade de obter documentos que usem a biometria. É claro que será impossível escolarizar seus filhos no sistema de ensino oficial. E a maior limitação será relativa à saúde pública. O problema é que esse afastamento da sociedade vai parecer sobretudo uma viagem ao passado, um retorno às formas antigas de controle social. Em seu pequeno vilarejo perdido, não haverá quase ninguém, mas todo mundo num raio de dez quilômetros saberá tudo sobre seus hábitos cotidianos, suas particularidades. Os séculos anteriores à tecnologia moderna estavam longe de serem épocas sem vigilância. Para evitar isso, você talvez prefira mergulhar fundo na selva urbana. As multidões das cidades ainda podem garantir o anonimato. Nesse caso, porém, a margem entre a saída do sistema e a exclusão é perigosamente estreita. Você passará despercebido, mas seu modo de vida será cada vez mais próximo ao de um sem-teto.

Pergunta - Os telefones celulares são cada vez mais vistos como potenciais delatores. Ainda é possível limitar esse risco?
Rousselin - A partir do momento em que seu aparelho está ligado, sua operadora pode de fato colocar em andamento toda uma série de mecanismos de espionagem, atendendo ao pedido de algum "vigilante". Existem procedimentos diferentes que permitem localizar alguém com margem de erro de mais ou menos 50 metros, fazendo uma triangulação com as três antenas de telefonia celular mais próximas de seu telefone. Os telefones de nova geração, os "top de linha" atuais, contêm um chip GPS e serão localizáveis com muito mais facilidade e precisão. Para a escuta, não há apenas a possibilidade de interceptar um telefonema, algo que já se tornou muito simples. Uma operadora também tem a possibilidade de fazer um celular funcionar como microfone de ambiente. Juridicamente, a polícia pode, sob certas condições, pedir que a operadora transforme o telefone em microfone, ouvindo tudo o que é dito em volta da pessoa que carrega o aparelho. Em todos esses casos, porém, tanto para a localização como para a escuta, é preciso que o telefone esteja ligado. Portanto, se você quiser evitar ser permanentemente localizável, faça como fazem policiais ou criminosos: desligue seu celular quando não o estiver usando.

PERGUNTA - A maior porta para a invasão de nossa vida privada ainda é o computador ligado à internet?
Rousselin - Com certeza. A maioria dos computadores nos é entregue com sistemas operacionais que dão direito legal à Microsoft ou à Apple de colocar em nossas casas espiões que supostamente estão ali por boas razões. A partir do momento em que somos conectados à rede, independentemente de qualquer decisão autônoma de nossa parte, um pequeno tráfico começa a se desenrolar, nos propondo atualizações, pedindo para não usarmos edições piratas e coletando informações sobre nossa estação de trabalho. Recentemente, o Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália votou um projeto de lei autorizando a polícia a colocar vírus espiões nos computadores de suspeitos. O problema se agrava mais a partir do momento em que se navega na web. A cada vez que visitamos um site, este registra o número de páginas vistas, o tempo de consulta em cada uma, os links seguidos, o percurso integral do cliente antes da transação, assim como os sites consultados antes e depois. Imagine os mesmos métodos aplicados à revista que seus leitores têm nas mãos: será que os leitores concordariam que você conhecesse sistematicamente o tipo de poltrona em que estão sentados, a espessura de seus óculos, suas horas de leitura, o jornal que leram antes dela? Certamente não. No entanto é isso o que se passa, à nossa revelia, cada vez que navegamos. O "New York Times" publicou no final do ano passado uma pesquisa constatando que, quando recorremos ao Yahoo!, revelamos 811 informações pessoais simultaneamente. O computador é uma verdadeira janela sobre o mundo --uma janela sem cortinas. Desde já, se quero ter certeza de passar despercebido, não devo ir à internet. Mas isso equivale, cada vez mais, a dizer "estou fora do jogo social".

Tradução de Clara Allain

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